Somos todos amadores

Por isso aprendemos todos os dias, porque somos profissionais amadores. Essa é a chama que precisamos manter viva.

Por Mario Sergio Cortella

Não é à toa que nós exercemos, talvez, a única profissão capaz de fazer alguém que não conhecemos tanto atravessar a rua para nos cumprimentar. Você está andando em algum lugar, de repente, ouve: “Professor! Professor”. Atravessam a rua para cumprimentá-la(o), aí, param na sua frente e fazem aquela pergunta difícil, como: “Lembra de mim?”. Você já imaginou? Às vezes a gente lembra e às vezes não. “Professora, uma vez você falou uma coisa que mudou a minha vida e eu nunca mais esqueci.”

Pense nesse risco amoroso. Já imaginou o número de pessoas que nós, professores, engravidamos com os nossos sonhos, desejos e equívocos? Se você, privilegiado, consegue dar aula para apenas duzentos alunos por ano em média, ainda assim ao final de dez anos serão 2 mil alunos.

Tem gente que faz uma coisa ainda mais complicada: uma de suas ex-alunas para na sua frente e diz que hoje é professora por sua causa. Nessa hora você fica olhando e pensa: “Mais uma louca. Pegou essa virose que é a incapacidade de achar que as coisas são como são e não há alternativa. Mais uma em que eu inoculei a ideia de que é possível mudar o modo como as coisas são. Mais uma em que eu consegui impregnar o sonho da dignidade coletiva”.

Gosto muito de ouvir a frase: “Professor, sabia que eu hoje sou professor por sua causa?”. Posso ouvi-la de dois modos: um deles é quando a pessoa diz isso e eu penso que a decisão foi tomada por minha causa, isto é, fui eu mesmo que causei. Mas há outro modo: “Professor, agora nós temos a mesma causa”. Qual é a nossa causa? Promover mais dignidade e fraternidade? Repartir amorosidade? Qual é, realmente, a nossa causa? Pensar nisso continuamente é sempre uma proteção ética.

Se a amorosidade é nossa força, existe também uma fraqueza entre nós: essa amorosidade tem de ser mais competente, não pode ser apenas baseada no desejo. Nem sempre refinamos a nossa competência.
Projetos pedagógicos coletivos, por exemplo, são uma forma de apoio à amorosidade; outra maneira de apoio é o fortalecimento da gestão democrática e da ação política consistente. Fico animado especialmente com a possibilidade do uso da informática em todas as escolas, não porque o computador resolva os nossos problemas, mas porque é uma ferramenta poderosa para deixar nossa amorosidade mais competente. Se há uma coisa perigosa no setor educacional é a arrogância pedagógica. Infelizmente, há muito professor ou professora que acha que já sabe, que não precisa mais aprender ou – pior ainda – que acha que não vai conseguir aprender.

Somos todos amadores, em dupla acepção: gente que ama e que acha que não está pronta ainda. Por isso aprendemos todos os dias, porque somos profissionais amadores. Essa é a chama que precisamos manter viva.

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