Projeto de vida: A hora e a vez da família do aluno na escola

De que forma os programas de Projeto de Vida podem consolidar a participação de familiares nas rotinas escolares como um pilar importante para o futuro desse cidadão

Do portão para fora. Infelizmente, durante muitos anos, essa foi (e, em alguns casos, ainda tem sido) a realidade da relação da família com o dia a dia do estudante dentro dos muros da escola. Esse distanciamento, que se faz mais evidente nos anos finais da vida escolar, é visto como um ponto negativo, e que pretende ser gradativamente mudado a partir das propostas, como é o caso das práticas previstas nos programas de projeto de vida do Novo Ensino Médio.

“A presença dos pais e familiares no ambiente escolar tem uma ligação direta com a segurança – física, emocional e formativa – desses estudantes”, pontua o supervisor-geral do colégio 7 de Setembro, em Fortaleza (CE), Fabio Delano.

Quais as possibilidades pedagógicas podem ser desenvolvidas a ponto de trazer a participação da família do aluno para a escola? Buscamos algumas experiências pioneiras, na rede pública e privada, para mostrar como são essas práticas e, também, os resultados desse tipo de integração.

A família e o projeto de vida

Nos 27 anos que esteve em contato com a realidade de diversos colégios e salas de aula, a coordenadora- geral da Escola Estadual Professor Antônio Alves Cruz, de São Paulo (SP), Elides Assumpção, encarou um cenário de “notório distanciamento” entre os jovens e membros de sua família.


“Falta diálogo, empatia e, principalmente, cumplicidade para o enfrentamento das dificuldades dessa fase da vida”, comenta. No entanto, na sua jornada como educadora, esse cenário recebeu um novo fôlego a partir do contato com a escola paulistana, em 2016. Em uma iniciativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, a unidade escolar foi a escolhida para um projeto-piloto no ano de 2012.

Com a implementação do programa de ensino integral em toda a rede estadual, dentre as partes que compõem a matriz curricular, estava o programa de Projeto de Vida. “É uma metodologia que tem como objetivo maior fomentar a continuidade dos estudos pelos estudantes de escolas públicas”, diz.

As tutorias e o futuro

No método colocado em prática na E. E. Antônio Alves Cruz, o olhar para o futuro dos estudantes já se inicia na primeira semana de aula do Ensino Médio. É a partir desse momento que educadores e alunos utilizam desses dias iniciais para a construção do que seria o seu projeto de vida.

Essa estruturação se dá por meio de oficinas, discussões e dinâmicas. O objetivo é provocar os participantes desses encontros a olhar para seu futuro e seus sonhos. “Quando ingressei na escola, minha percepção foi a de que havia uma interpretação equivocada de projeto de vida, principalmente no que diz respeito ao seu papel enquanto metodologia”, conta a coordenadora.

Elides nota que, ao menos naquele momento, o programa contemplava apenas a escolha de uma
carreira, sem dedicar-se ao planejamento para atingir esse objetivo e, ainda, sem contemplar outras áreas como saúde, lazer, relacionamentos pessoais e com o ambiente.

O processo foi, aos poucos, redimensionado e, segundo a gestora, hoje é possível dizer que há um “alinhamento conceitual necessário e práticas pedagógicas sustentáveis para, de fato, promover um empenho dos estudantes na busca pela qualidade de vida e por um futuro promissor”.

As mudanças, ressalta, colocaram também os adultos no raio de atuação do programa – “incentivamos os demais gestores e professores a ter um projeto de vida ‘para chamar de seu’”, conta.

Feedback em ações

Após o desenho inicial, desenvolvido na primeira semana de aula, a escola passa a desempenhar um cronograma de tutorias, que vão ser desenvolvidas no decorrer dos três anos do Ensino Médio.

Com esses tutores, os estudantes passam a refletir e escrever suas expectativas, sonhos e escolhas, com o objetivo de concluir essa etapa com um caminho, ao menos visualizado, para seu futuro.

Essa implementação, relembra Elides, teve alguns obstáculos a serem superados. “Um primeiro desafio a ser enfrentado é levar os tutores à compreensão de que o tutorado é um ser sócio-histórico-cultural, para que sua atuação seja sensível ao contexto de vida do aluno, orientada pelo protagonismo juvenil e isenta de julgamento”, comenta.

Houve, também, uma prioridade em estabelecer – tanto ao tutor quanto ao tutorado – que esses encontros não têm por objetivo serem uma espécie de sessão de terapia.

“Embora os aspectos de caráter emocional tenham, em grande medida, efeitos na trajetória escolar e nas escolhas que fazemos, devese priorizar o percurso para alcançar os objetivos que foram definidos”, afirma a coordenadora.

Por fim, o que se tem notado com o passar dos anos e o desenvolvimento das tutorias do programa de projeto de vida na E. E. Antônio Alves Cruz, na visão da gestora, tem sido um panorama positivo.

“Em 2020 tive a experiência mais almejada pelos professores da rede pública: ter um número bastante expressivo de seus alunos ingressando em universidades públicas”, comemora. Segundo Elides, foram muitas aprovações e os alunos se dirigiam até a escola assim que conheciam seus resultados, para dividir a experiência com professores, gestores e, enfim, seus tutores. “Isso motivou ainda mais a equipe escolar”, diz.

Do ponto de vista da família, a coordenadora aponta que a sensibilização desse pilar começou a integrar o plano de ação da escola e passou a ser prioridade. “A proposta é que a intencionalidade se converta em ações e mude a relação da família com a escola – que será um lugar onde também os pais vão poder construir os seus projetos de vida”, afirma.

Uma presença de segurança

Para o supervisor-geral do colégio 7 de Setembro, em Fortaleza (CE), Fabio Delano, a presença da família do aluno na escola – seja nas dependências, seja no conteúdo programático –, já se consolida como uma espécie de tradição nos últimos 15 anos.

“Uma escola tem de fazer de tudo para proporcionar a segurança para seus alunos – e, nesse contexto, desde o Ensino Fundamental, os pais representam esse tipo de sentimento”, explica.

No que o professor, que também é pedagogo e PhD em Linguística, classifica como um dos três pilares de segurança, focado no contexto físico da expressão, a escola proporciona condições para que as famílias se façam presentes, desde os anos iniciais.

Muito além do simples incentivo, a palavra “família” está na página inicial do site da instituição e os familiares são cadastrados no sistema biométrico de acesso ao recinto, além de serem reconhecidos e integrados pelo corpo funcional (que é composto por funcionários que atuam há décadas na instituição).

São ações práticas que, na visão do gestor, contribuem para amenizar um pouco os sentimentos em uma sociedade “marcada por uma insegurança enorme”.

Fator emocional

O segundo pilar desse processo de aproximação da família, segundo Delano, é o fator da segurança emocional.

“Seu filho está triste, ele não está participando das atividades, não tem amigos, mudou o comportamento – o professor tem recursos para perceber essas ações e fazer essa comunicação aos pais”, salienta.

A escola consolida uma estrutura para intervenção em todos os projetos socioemocionais, como é o caso de problemas como o bullying, por exemplo

“A presença dos pais e familiares no ambiente escolar tem uma ligação direta com a segurança – física, emocional e formativa – desses estudantes”

– Fabio Delano, colégio 7 de Setembro

Cinco medidas para integrar pais à sala de aula dos filhos

Convidamos o escritor Leo Fraiman (ao lado) para reunir dicas que gestores e professores podem desenvolver no ambiente escolar que vão trazer relevância à participação da família no processo de ensino e aprendizagem

A participação dos pais na educação escolar foi o tema da tese de mestrado do psicoterapeuta e escritor, Leo Fraiman, e é um assunto que está entre os principais temas nos quais desenvolve suas atividades.

“O trabalho da família é tão importante quanto o trabalho da escola: hoje se sabe que cerca de 50% dos resultados acadêmicos conquistados na sala de aula, dependem de uma boa sinergia de propósitos daquilo que acontece na sala de casa”, pontua.

Pensando nisso, convidamos o autor para reunir cinco boas práticas que podem aproximar a família das dinâmicas em sala de aula – e, assim, colaborar de forma decisiva no projeto de vida.

1 Pais não devem aparecer apenas para burocracia

Para o escritor, é importante que as famílias não estejam ligadas aos temas escolares apenas para fins burocráticos, mas que seja feita uma boa aliança com a instituição.

“Se os pais são chamados para pagar as contas ou receber broncas, então participar da escola não faz muito sentido”, comenta Fraiman, que afirma que, em alguns casos, os familiares se afastam desse ambiente, justamente, pela falta de um projeto continuado de construção dessa participação entre a casa e o ambiente escolar.

2 Um convite para dividir suas experiências de vida

Na visão do psicoterapeuta, uma boa proposta é trazer esses familiares para o interior da instituição – de forma física ou virtual –, para dividir suas experiências, expectativas e rotinas com os demais estudantes.

“Que tal um pai que é economista e que possa vir à escola – ou fazer uma live, construir um pequeno vídeo – falando sobre educação financeira?

Que tal uma mãe psicóloga fazer um post ou um podcast, palestra ou, então, apenas uma pequena roda de conversa com outras mães sobre a questão da depressão”, exemplifica.

São medidas de fácil aplicação que, de forma muito natural, proporcionam um sentimento que pode unir diversos públicos. “Quando a escola cria um senso de comunidade, uma aldeia educativa com as famílias, ela tem um capital humano sensacional capaz de transformar corpos, mentes e almas para o bem e para o melhor”, garante Fraiman.

3 Realizar um sólido trabalho de conscientização

Para colocar em prática essas medidas, o escritor ressalta a importância do papel do planejamento e do trabalho dessa proposta, que deve ser desenvolvido com os agentes envolvidos nessas atividades.

“É um trabalho que precisa ter, primeiro, a conscientização dos gestores, depois, a sensibilização dos educadores”, observa.

4 Promover embaixadores do futuro

Após a conscientização, um passo importante é incentivar a promoção daquilo que Leo Fraiman chama de um grupo de “embaixadores do futuro”.

“Imagine selecionar pais que receberiam os currículos dos alunos do Ensino Médio para fazer circular em sua rede de contatos, em seus perfis no LinkedIn e em suas próprias empresas – entregando o material e dizendo, ‘esses garotos são pedras preciosas lapidadas na escola dos meus filhos’”, visualiza.

Outra proposta selecionada pelo especialista é a de uma feira de profissões que, além das faculdades convidadas, tivesse também pais, dividindo suas experiências e propondo convites.

5 A relação ganha-ganha-ganha

Para Fraiman, a escola pode se enriquecer muito com essas propostas, que ele chama de prática do “ganha-ganhaganha”: onde família, alunos e escola sairiam beneficiados.

“Possibilita a construção de um continuum de empregabilidade, construindo um banco de talentos do aluno e trazendo pais para contribuírem em um comitê interno de saúde mental, educação financeira, empreendedorismo, são muitas as possibilidades”, diz.

São práticas que vão colaborar para o programa de projeto de vida e escolhas profissionais mas, também, para o autoconhecimento e a sustentabilidade.

São medidas colocadas em prática em paralelo com uma diretriz que o colégio desempenha em trabalhar, em todos os níveis, uma cultura do diálogo.

Segurança formativa

O que o pedagogo classifica como o terceiro pilar, que é o da segurança formativa, possibilita o estreitamento da participação familiar nas atividades do colégio 7 de Setembro.

“Aí estão, por exemplo, um serviço em que os pais recebem, toda semana, um relatório sobre as rotinas do filho, tarefas concluídas e não concluídas, entre outras”, relaciona.

Nesse segmento, Delano ressalta também a integração proporcionada pelas reuniões de pais e professores, que são desenvolvidas de uma forma que esses agentes tenham um contato direto, e que possa proporcionar uma visão real de como está o andamento da participação do filho na escola.

Diante desse panorama que fornece seguranças física, emocional e formativa, explica o supervisor, a instituição tem a base para implementar suas propostas de projeto de vida.

Além do emprego

De acordo com o PhD em Linguística, não é possível abordar essa temática de forma mecânica, como se tivesse o formato de uma disciplina, que corre à parte do desenvolvimento da escola.

“Projeto de vida não é o meu emprego, mas o meu posicionamento no mundo”, classifica Delano, que justifica a escolha da metodologia Caráter Conta! (do inglês Character Counts!).

Trata-se de uma proposta internacional que utiliza seis pilares de caráter: confiabilidade, respeito, responsabilidade, justiça, cuidado e cidadania. Essas serão as principais bases estratégicas, somadas às particularidades locais, para o desenvolvimento desse método.

Na prática, os estudantes do colégio 7 de Setembro desempenham essas iniciativas em projetos integradores a partir do Ensino Fundamental. “São ações que vão desde a criança virar jarros e garrafas para prevenção do mosquito da dengue e aplicar multas de trânsito nos próprios pais, até programas de apoio a entidades, como lar de idosos, quando maiores”, exemplifica.

Outro ponto de destaque na busca pelo futuro dos estudantes da instituição é a feira de profissões que, em muitos casos, registra a presença de ex-alunos nas mais diversas carreiras que buscam futuros candidatos por conhecerem o perfil de quem está na escola.

“O projeto de vida não é separado em uma aula específica, mas está na consciência da escola, em todas as suas atividades, esportivas e culturais”, explica, ressaltando que a unidade se preparou estruturalmente para esse fim, com recursos como bilinguismo, centro de esportes e academia de dança.

“À noite e aos sábados, o espaço da escola é como se fosse um clube, com os alunos frequentando e também seus pais”, diz. Essa jornada, explica Delano, é a responsável por ressaltar o protagonismo nesse estudante.

“É ter poder sobre esse percurso; saber que dificuldades surgirão – o que não significa que ele precisa se desesperar –, mas que ele pode ser mais, investir no potencial humano”, cita.

Artigo retirado da FTD Educação.

Deixe um comentário