Especialista no tema reúne reflexões sobre o conceito, que é valorizado pela BNCC, como suas origens e possibilidades de mudanças na prática em sala de aula.
A capacidade do estudante ser agente principal de sua vida é um conceito presente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, para o Novo Ensino Médio, passa a ter um olhar importante, que passa pela escolha da área de atuação desse estudante, bem como de seu futuro. Para contextualizar o tema do protagonismo do aluno. A nessa faixa escolar, pedimos ao professor da pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Gabriel Medina, para trazer alguns insights que podem ser inspiradores a gestores e professores do Ensino Médio. Psicólogo de formação, é pesquisador e leciona na área de Psicossociologia da Juventude, além de ser ex-secretário nacional da Juventude.
1. Olhar histórico
Para Medina, existem algumas datas marcantes no cronograma histórico recente que impactam diretamente na questão do protagonismo juvenil no Brasil. Ele ressalta a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos anos 1990. “Nesse momento o protagonismo ainda não era o centro da discussão, que estava mais voltada à segurança dessa criança”, explica. O próximo destaque apontado vai para o ano de 2005, na criação da Secretaria Nacional da Juventude e, por consequência, o Estatuto da Juventude, em 2013. “Esse processo se intensifica e, enquanto o ECA falava sobre o direito à vida, esse documento coloca como primeiro direito a participação e representação juvenil por suas entidades”, pontua.
2. Psicologia versus Sociologia
O olhar sob o ponto de vista psicológico ao adolescente avalia, segundo o professor, “muito mais o momento de mudança corporal, de comportamento e as marcas que vão transformando essa fase da vida”. Já o olhar que trata do protagonismo, aponta, tem um viés mais da Sociologia, da Antropologia e de outras Ciências Humanas. “Enquanto o ECA atua mais no campo da Psicologia, o Estatuto da Juventude está no campo da Antropologia”, compara.
3. A questão geracional
Um ponto que dificulta o reconhecimento do protagonismo juvenil em ambiente escolar relaciona-se, na visão do especialista, ao pouco acesso de parte dos docentes a esse documento. “Os agentes que hoje atuam na educação ainda não chegaram no Estatuto da Juventude – é muito recente, aprovado após as Jornadas de Junho de 2013, é pouco discutido, assimilado e debatido pelos jovens”, diz.
4. A hierarquização do ensino
“A história da nossa educação tem uma cultura hierarquizada – os jovens e adolescentes têm pouca capacidade de contribuir com seu conhecimento”, avalia, prosseguindo com a descrição que ainda persiste em escolas ao redor do país (e do mundo). “São 50, 60 carteiras viradas para o professor que, dificilmente, está disposto a ouvir a opinião desse aluno e, em alguns casos, tem uma conduta autoritária”, diz.
5. Protagonismo na sala de aula
“Ter esse aluno protagonista, significa viabilizar sua participação em todas as dimensões da escola”, afirma Medina. Para o ex-secretário nacional da Juventude, esse adolescente deve ter a oportunidade de participar de práticas pedagógicas ativas em sala de aula, além de uma gestão democrática, onde esses jovens podem colaborar com os conteúdos e o que vai ser discutido.
6. Na escola e na sociedade
Trata-se de outros segmentos de destaque, que podem e devem ter a participação desses jovens integrantes. “Na gestão escolar, na discussão em conjunto com os gestores sobre as regras do estabelecimento, os horários, a relação entre pares e com o mundo adulto naquele ambiente”, salienta. Há também a questão da sociedade, que é um setor que, certamente, sairá beneficiado com esses esforços. “Outra dimensão é a camada da participação na comunidade, que é a maneira de convidar o jovem a se comprometer com ações no próprio território”, observa.
7. Participação horizontal
Para Medina, o protagonismo na escola exige da instituição um processo de formação consistente, para que entendam quem são esses jovens e como eles estão compreendendo a dimensão da
organização. “Eles querem uma participação mais horizontal, mais plural que tenha linguagens próprias, não basta só falar ‘participa aí’; é preciso estimular essa dinâmica, porque os jovens não vão saber participar sozinhos – precisam de uma mediação”, esclarece.
8. Formação de professores
“Um ingrediente importante é formar esses professores, para que eles possam reconhecer quem é esse jovem, além de capacitá-los para desenvolver as práticas pedagógicas ativas”, diz. Além dessas questões, que estão mais atreladas à sala de aula, o especialista também aponta a importância de se tratar de temas como a gestão democrática e intervenção comunitária, mesmo que tais decisões sejam do âmbito dos gestores.
9. Um jovem para o futuro
Na opinião de Medina, cabe à Educação dar as respostas necessárias para a formação de jovens cidadãos que tenham suas culturas juvenis exploradas e respeitadas. “Estão vindo culturas autoritárias e de pouco diálogo – é necessário que a escola traga para o debate temas como as fake news, problemas do uso das tecnologias, vazamento de nudes, esses são assuntos que são caros para essa discussão do protagonismo”, pontua. Por fim, ressalta que a escola, ao invés de focar, por exemplo, em organizações mais restritas, como é o caso dos grêmios, deve estimular esse grupos de forma mais coletiva. “Esse adolescente só vai se organizar com base em uma causa, que já é dele, pode ser seu corpo, o meio ambiente, a liberdade de expressão, o racismo – a partir dessas causas é que a gente mobiliza a juventude”, conclui.
Artigo retirada série “Por Dentro do Novo Ensino Médio” da FTD Educação.